Lula instrui aliados a se contrapor a centrão após base frustrar governo. Planalto constata que não pode contar com Congresso, mas tentará disputar opinião pública com discurso sobre taxação de 'super-ricos' sem romper com Legislativo
O presidente Lula deu um claro recado: o governo não vai aceitar jamais que se mantenham privilégios para os mais ricos às custas do sacrifício dos programas sociais e do bolso dos mais pobres. Nas últimas semanas, a queda de braço em torno do IOF expôs de forma cristalina que, por melhor que seja a coalizão em Brasília, a base aliada não tem escudo infalível contra as hostilidades do centrão e da direita. E é exatamente por isso que Lula instruiu seus ministros e aliados a saírem do silêncio e abrirem o próprio flanco de debate, apontando diretamente os adversários que — mesmo integrantes de partidos convenientemente “aliados” — resistem à implementação de justiça tributária no Brasil.
A ideia é simples, mas poderosa: deixar claro à opinião pública quem está lutando para manter mordomias de banqueiros, bilionários e grandes grupos econômicos, e quem, de fato, propõe baixar a carga sobre as camadas de menor renda. Para isso, Lula convocou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a reforçar o discurso já conhecido — de tributar progressivamente os super-ricos para aliviar o peso dos impostos sobre o cidadão comum. Haddad, que há anos defende essa pauta, vem agora armado de dados e convicções: “Estou aqui para enfrentar os 140 mil super-ricos e garantir justiça tributária”, declarou em entrevista recente.
Em paralelo, o PT lançou a campanha “Taxação BBB: bilionários, bancos e bets”, deixando explícito que a conta do desenvolvimento social não pode continuar sendo paga pelos que menos têm. A estratégia revela dois movimentos simultâneos: de um lado, o endurecimento retórico contra o centrão — aquele mesmo grupo que, discretamente, barganha favores e cortes de benefícios em troca de apoio parlamentar; de outro, a aposta na mobilização popular, usando as redes sociais para galvanizar simpatizantes e forçar a agenda no Congresso.
Foi o episódio do IOF que funcionou como ponto de inflexão. À noite, às vésperas da votação, o presidente da Câmara, Hugo Motta, anunciou pelo Twitter que incluiria em pauta um projeto para derrubar o aumento do imposto sobre operações financeiras — sem dar a mínima alarde prévio ao Palácio. A manobra pegou o Planalto de surpresa e gerou revolta: não era apenas uma derrota técnica, mas um insulto pessoal a Lula e a Haddad, que haviam se empenhado em um acordo para aumentar a arrecadação sem prejudicar os mais vulneráveis.
Na visão do governo, Motta agiu a mando de forças conservadoras que tentam antecipar o jogo eleitoral de 2026, fragilizando a popularidade do presidente e minando sua capacidade de governar. A resposta oficial, portanto, não poderia ficar apenas nos bastidores de Brasília: precisava ser levada ao grande público, que já demonstra simpatia pela ideia de taxar os que menos pagam imposto hoje.
O plano de comunicação traçado inferniza o centrão. Em pronunciamentos, grupos petistas vão destacar casos concretos de isenções fiscais que beneficiam grandes fortunas, quantificando em bilhões de reais o que o Estado deixa de arrecadar anualmente. Paralelamente, haverá comparativos com programas sociais emblemáticos — combate à fome, Bolsa Família, Auxílio Brasil — ressaltando que cada real a mais de imposto sobre os super-ricos corresponde a benefícios diretos às famílias de baixa renda.
Por trás desse roteiro, está a convicção de que a disputa narrativa pode pressionar o Congresso a recuar em novas tentativas de sustar medidas fiscais do Executivo. Nas próximas semanas, o governo pretende acelerar projetos que visem à simplificação tributária e à eliminação de brechas que hoje permitem a fuga de capitais ou o uso de artifícios contábeis para driblar impostos. Haddad já anunciou que apresentará um pacote que inclui o fim das desonerações para investimentos incentivados, tributação de lucros distribuídos a acionistas (JCP) acima de determinado patamar e a incidência de IOF maior sobre fintechs e plataformas de apostas.
É natural que parte do establishment político tente frear essa agenda, alertando para riscos de enfraquecimento da competitividade ou de represália internacional. Mas o discurso oficial de Lula é categórico: a prioridade, em momento de restrições fiscais, é proteger quem mais precisa. O governo aprendeu com crises passadas — lembremos a experiência traumática do impeachment de Dilma Rousseff — que não se constrói um projeto de nação sem o apoio popular e sem mostrar que há um lado claro nessa disputa.
Dentro do próprio PT e dos círculos mais próximos ao presidente, alguns defendem cautela, temendo um rompimento irreversível com setores do centrão que ainda hoje viabilizam a maioria parlamentar. Mas a ala mais confiante sustenta que um embate transparente, levado às ruas e fortificado pelas redes, torna-se uma arma política poderosa. Ao demonizar o adversário não por retórica ideológica abstrata, mas por casos concretos de privilégios fiscais, a campanha governa-para-os-pobres ganha corpo e penetração.
No final das contas, não se trata apenas de uma guerra de números no Anexo Fiscal; é um teste de popularidade e liderança. Lula sabe que pode perder batalhas em votações isoladas, mas pretende vencer a guerra da opinião pública. Que tenha início, então, o duelo entre quem defende os mesmíssimos arranjos de sempre e quem aposta em construir um modelo de tributação mais justo, capaz de fortalecer políticas sociais e de promover o desenvolvimento econômico com inclusão. O recado está dado: cada vez que o centrão tentar sepultar medidas de justiça fiscal, o governo sairá a campo, denunciará os beneficiários de sempre e convocará a sociedade para lutar pela mudança. Afinal, a batalha por justiça tributária — e por um Brasil menos desigual — está só começando.
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